
Eduardo Gageiro
Tres poemas para Sofhia de Mello Breyner Andresen: a decifradora do mar
(escritos nas cidades de Lisboa e Porto em janeiro de 2013)
Carlos Alberto Jales
I
Ninguém como tu
conheceu o mar
Ninguém como tu
o decifrou no seu
mais profundo ser
Nem Camões, nem
Pessoa, nem Cecília,
gigantes dos oceanos,
souberam como tu os
mistérios das águas e
os caminhos do mos-
trengo
Somente tu, Sophia,
exploraste seus pala-
cios, suas errâncias,
suas metamorfoses,
seus peixes dormin-
do dorsos ao sol, em s
eus barcos enchar-
cados de lendas
Somente tu, Sophia,
foste capaz de enten-
der e decifrar os es-
pantalhos do mar, de
se enternecer com a
pungente voz dos na-
vegadores em antigos
conluios com mitos, es-
trelas e madrugadas
II
O mar me despoja
de tudo
Do medo, do terror
dos ventos, das tem-
pestades sem volta
O mar me despoja
de tudo
Diante dele, não se
desvendam os senti-
mentos da carne es-
tarrecida, até mesmo
a calmaria é um para-
doxo traçando a geo-
grafia dos olhos
O mar me despoja
de tudo
Como um estranho
ancestral me encerra
em suas prisões, suas
figuras fantasmagóricas
cavam fundo o oceano,
e nas tardes que não ar-
risco tudo passará, tudo
será cinza e dúvida
Só o mar me despoja
de tudo e me habita
III
Por que existe o mar?
Para manter intacto
o azul das ondas?
Para escutar a voz dos
velhos marinheiros de
regresso aos portos?
Para se fazer um deus
e no entanto se escon-
der da lua?
Para embalar em seus
braços os temporais e
suas rotas?
Para que existe o mar?
Desconfio que o mar exis-
te como um navio suici-
da esperando o último
suspiro da noite
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