Embaixador de los puros
por DANIEL JAPIASSU
A fina flor de Cuba merece respeito
e abnegada dedicação. Dom Rodolfo Leiva Bermudez
tem 70 anos - 59 dedicados ao ofício de transformar em
lenda o puro tabaco de Cuesta Abajo. Ele está no Brasil
em uma cruzada para evitar a "desmoralização
do Habano"
Os olhos não desgrudam um
só instante da lâmina afiadíssima. Com movimentos
precisos, dom Leiva vai moldando a folha de tabaco, tornando
curvas as retas da haste e reto o limbo sinuoso. É preciso
envolver o fumo prensado de forma a criar um cilindro perfeito,
sem macular a fina flor cubana.
"Rapidez e respeito", explica o mestre tabaquero,
sem desviar a atenção da xilema (peça de
madeira escura e vigorosa) em que esculpe sua obra-de-arte,
um Habano legítimo.
Habano, explique-se, é denominação de origem
controlada. Uma espécie de champagne do mundo do tabaco.
A exemplo do espumante francês, que nasce e cresce na
região de mesmo nome, apenas o produto das plantações
de Cuesta Abajo, no extremo ocidental da ilha, tem direito à
já lendária nomenclatura.
"Cuba produz outros grandes tipos de tabaco", explica
Rodolfo Leiva Bermudez. "Mas nada que se compare com o
tabaco de Pinar del Rio, San Luiz e San Juan y Martinez, as
três capitais de los Habanos".

Dom Leiva - como ele mesmo prefere - é de Manicaragua,
província de Villa Clara, pouco mais de 200 quilômetros
a leste de Havana. Filho e neto de mestres tabaqueros, ele dá
forma a Puros Habanos desde os 11 anos. Este cubano de fala
intensa e sotaque carregado da ilha tem 59 anos dedicados ao
ofício. E mais de sessenta devotados ao vício
propriamente dito, coisa comum entre os meninos de Pinar e adjacências.
Após mais de meio século emprestando o talento
a alguns templos de Cuba, como La Flor de Cano e Partagás,
hoje el viejo ostenta a insígnia de embaixador internacional
de los puros. Seu trabalho consiste em levar a mais conhecida
arte do país de Fidel Castro aos quatro cantos do planeta.

Contratado pela Puro Cigar de Habana, única importadora
brasileira das 36 marcas cubanas, dom Leiva é um dos
protagonistas de uma cruzada anti-falsificação.
A arte da fraude vem esfumaçando o mercado nativo há
mais de 15 anos.
"Precisamos evitar a desmoralização do Habano.
Por isso estamos em campanha maciça contra a importação
clandestina de falsos puros", conta. Atualmente, 5 entre
6 charutos que aportam no País são contrabandeados.
A maioria absoluta é proveniente de outros centros produtores
de Cuba, que não Vuelta Abajo.
E, o que é ainda pior, confeccionada com tabaco originalmente
colhido para produção de cigarros. "Queima
mal, produz uma cinza pouco espessa e não tem as mesmas
características de sabor e aroma de um Habano legítimo",
salienta dom Leiva, lâmina às mãos, nos
finalmentes de mais um Robusto - o preferido do rei da Espanha,
Juan Carlos de Bourbon, para quem o mestre tabaquero produziu
uma caixa inteira de sonhos cubanos.
"É possível que muitos brasileiros, amantes
do bom charuto, nunca tenham saboreado um legítimo Habano",
avalia, entre sério e irônico. Quem já experimentou
a excelência de un puro compreende a luta de dom Leiva
e seus camaradas.
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